O DIREITO DE BRINCAR AO LONGO DOS TEMPOS
- Silvia Losacco
- 13 de jul. de 2018
- 4 min de leitura
Atualizado: 5 de ago. de 2019
"Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo;
se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda
é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar,
com exercícios estéreis, sem valor para
a formação do homem."
Carlos Drummond de Andrade

Brincar deve compor a agenda operacional e legal de todas as instâncias: família, sociedade e governo!
Porém, conquistas legais de direitos humanos só recentemente encontraram espaço na agenda social e política brasileira. Fenômeno compreensível numa sociedade que tardiamente aboliu a escravatura, que não superou inteiramente o coronelismo e na qual, até meados do século passado, direitos civis e políticos eram pouco mais que falas soltas, principalmente quando referidos à imensa camada dos pobres e dos trabalhadores.
Somente a partir da década de 70, notadamente na luta contra a ditadura militar estabelecida em 1964, se abriram os caminhos para a discussão dos direitos humanos no Brasil. E, desde então, a sociedade civil despontou como protagonista nessa luta. Impulsionada nos anos 80 pela continuidade da resistência democrática e por inúmeros e significativos movimentos sociais, a Constituição de 1988 pôde oferecer à sociedade um arcabouço legal mínimo, capaz de sustentar propostas ampliadas e positivas de promoção de direitos.
Conferências, acordos e tratados internacionais dos quais o Brasil tornou-se signatário e a Constituição Cidadã de 1988, possibilitaram, ao longo da década de 90, ações mais efetivas de direitos humanos.
ais efetivas de direitos humanos.
“(...) A movimentação ampla e multifacetada dos anos 80 desdobrou-se numa tessitura democrática, construída na interface entre o Estado e sociedade, aberta a práticas de representação e interlocução pública. Nos anos que se seguiram à promulgação da Constituição, multiplicaram-se os fóruns públicos nos quais questões como direitos humanos, raça e gênero, cultura e meio ambiente e qualidade de vida, moradia, saúde e proteção à infância e à adolescência se apresentaram como questões a serem levadas em conta na gestão partilhada e negociada da coisa pública. Nesses fóruns, sob formatos diversos e representatividade também desigual, políticas sociais alternativas vêm sendo elaboradas e debatidas (...)que articulam organizações populares, ONGs, empresários(...), profissionais liberais e representantes governamentais; (...) grupos de defesa dos Direitos Humanos e até mesmo sindicatos se mobilizam em torno de programas de intervenção (...)” (Telles, 1999: 156 – 157).
Inicia-se, então, a discussão sobre os desafios para a realização da cidadania numa sociedade muito desigual como a brasileira, que traz em seu cotidiano o preconceito, a discriminação e a violência, apresentadas de formas visíveis e invisíveis, diretas ou indiretas, cometidas pelos sujeitos no desempenho de seus diferentes papéis – sociedade civil e Estado. Fazia-se, e ainda se faz, urgente romper com essa história cujas raízes se desenvolveram pelos desequilíbrios regionais, plantadas sob um modelo de desenvolvimento capitalista que favoreceu o crescimento e a concentração econômica nas zonas urbanas, em detrimento daqueles que vivem no interior, notadamente nas zonas rurais.
Nesse sentido, constatamos que os tempos e os espaços destinados às brincadeiras têm sido roubados das crianças e dos adolescentes desde o início da história de nossa colonização, seja pela obrigatoriedade de trabalhar, seja pela falta de equipamentos e instrumentais adequados para esse fim.
A erradicação do trabalho infantil era, e ainda é, um desafio posto a todos nós. Nas cidades, visível aos olhos da população, crianças e adolescentes expõem-se a ações degradantes na procura por garantir seu sustento e muitas vezes o de sua própria família. Não ocultos, mas longe dos olhos da população das grandes cidades, crianças e adolescentes da zona rural, muitas vezes, trabalham de sol a sol, principalmente em roças, normalmente submetidas a condições humilhantes de vida, destituídas do direito à educação básica e de qualquer outra atividade de complementação escolar e de lazer.
Na agenda mundial, enquanto instrumento legal, só nos debates ocorridos nos anos 50, que têm como corolário a Declaração dos Direitos da Criança, promulgada pela ONU em 1959, é que surge o brincar como garantia de direitos:
"toda criança terá direito a brincar e a divertir-se, cabendo à sociedade e às autoridades públicas garantir a ela o exercício pleno desse direito".
No Brasil, foi na Constituição de 1988 que as crianças e os adolescentes adquiriram o direito ao lazer. Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, constataremos - CAPÍTULO II, DO DIREITO À LIBERDADE, AO RESPEITO E À DIGNIDADE - que o brincar legaliza-se juridicamente como garantia, acompanhado do direito de opinião e de expressão. Art. 16.
O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
IV - brincar, praticar esportes e divertir-se; Acrescenta, em seus artigos subseqüentes, direitos fundamentais de: V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; VI - participar da vida política, na forma da lei; VII - buscar refúgio, auxílio e orientação.
Será ainda esse capítulo que garantirá, em lei, a dignidade dos relacionamentos:
Art. 18. “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.
Vemos, portanto, o quão recente é a garantia conquistada de brincar como um direito, enquanto atividade especial de desenvolvimento de habilidades, competências e potencialidades que exigem valorização expressa através das reais possibilidades destinadas à população de crianças e de adolescentes, seja no tempo e nos locais destinados especificamente a essas atividades, seja na qualidade do simples prazer de poder brincar.
Proporcionar, desenvolver e preservar o direito da criança e do adolescente de brincar é um ato político de conquista e garantia da cidadania.
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